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CESAR .


2018-06-25T00:00:00

Negócios


Empreender para você, para o outro, para o mundo

por Ana Pedrosa

Faço parte da Era Pós-Digital, meu trabalho precisa refletir as inquietações que essa transformação me entrega.

Adapto versos do grande poeta paraibano Jessier Quirino para me apresentar. Sou Ana, arquiteta por profissão, matuta por ocasião e empreendedora por vocação. Aprendi desde cedo a entender o espaço como um objeto transformacional. Sou pernambucana nascida em Santa Cruz do Capibaribe, terra levantada pelas mãos das mulheres costureiras, protagonistas de uma construção sócio-espacial pautada na colaboração e no empreendedorismo.

Há 65 anos, Santa Cruz era uma cidade que se sustentava por meio da venda de grãos e outras culturas de sobrevivência, entre elas a fabricação das colchas de retalhos dos tecidos que seriam descartados. Até que uma mulher fugiu da linha de produção “normal” e decidiu pegar um retalho maior para confeccionar o primeiro short da terra de Santa Cruz, e daí em diante teceu-se uma rede de costureiras que faz de Santa Cruz do Capibaribe, hoje, o maior polo têxtil do país.

Como toda gente, trago dentro de mim a essência de minha terra. Bebi dessa fonte, cresci num lugar onde as mulheres protagonizam a economia local. Vi minha mãe empreender desde menina, e muito dela existe em mim. Ainda criança, eu brincava com minhas amigas de vender roupas, criávamos “universidades” na escada da minha casa onde a gente estudava estratégias de ampliação de venda e fomentação do negócio — não dávamos esses nomes complicados, é claro, mas era isso que a gente fazia. Anos depois, na faculdade de arquitetura, comecei a me aproximar da Arco Consultoria e junto com outros alunos do curso fundamos e fomos lapidando nossa primeira empresa júnior. Descobri que eu podia alinhar as três coisas que mais amo: cidades, pessoas e arte.

Meu retalho é diferente dos que as costureiras da minha terra costumam usar. Lido com a malha urbana, minhas modelagens são as ferramentas de design centrado no usuário e minhas tesouras estão se ocupando em recortar pensamentos encaixotados. Por fim, minha máquina de costura ganha forma de empresa: Habite Social. É lá que consigo alinhar pessoas em torno de um mesmo propósito: a construção de uma cidade mais justa, colaborativa e conectada. Na Habite buscamos promover o direito de todo ser humano a ter uma moradia segura, saudável, confortável e acessível. Uma cidade pensada como um “ecossistema interativo” e não só como habitação.

Em março de 2017, a Habite entrou no Mind The Bizz, um programa do CESARPorto Digital e Sebrae. Aprendi com o meu mentor, Ed Dantas, a importância de imergir no problema que a gente se propõe a resolver. Fiz um mergulho no quadro habitacional do Brasil e do mundo e percebi que a questão de habitabilidade está completamente alinhada à renda das pessoas. Se a renda dos moradores desses locais insalubres é suficiente para comer e educar os filhos, como eles vão poder retirar o dinheiro de alimentação e educação para reformar a casa? A opção que resta é conviver com o mofo, o calor, a falta de instalações hidrossanitárias. Dentro desse quadro, 63% das mulheres que vivem em moradias insalubres normalmente empreendem em casa e não têm a autonomia necessária para trabalhar fora, porque ainda precisam cuidar da casa e dos filhos. Essas mulheres fomentam o empreendedorismo local de suas comunidades, e entendendo o processo de construção espacial de Santa Cruz percebi que elas são as “costureiras” capazes de tecer uma rede de negócios e fortalecer a economia local. Então o que finalmente a Habite faz? Ela oferece reforma de baixo custo para o espaço de trabalho de mulheres que empreendem em casa e vivem em situação de vulnerabilidade social.

Porém, como 250 mil moradias insalubres somente em Recife são um problema grande demais para resolver sozinha, senti a necessidade de compartilhar essa ação com outros players da construção da cidade. Sei que voamos mais longe quando nos unimos a outras asas. Precisamos reinventar, pensar novas estratégias, descobrir juntos como são os produtos da era digital para transformar as comunidades. Criei o HACK.HABITE, nosso primeiro produto. Uma maratona que convida arquitetos, engenheiros, designers e a indústria da construção civil para criar espaços de trabalho ergonomicamente adequados e pensados para ampliar as habilidades dessas mulheres, de forma a melhorar sua renda. Convocamos os principais players da construção civil para pensar em formas de hackear o processo de construção do espaço, através de um trabalho colaborativo, compartilhado e conectado. O HACK.HABITE foi a primeira maratona hacker para o desenvolvimento de construção civil em comunidades do Brasil. A Gerdau comprou fortemente essa ideia e ainda desafiou os participantes a imaginarem esses espaços utilizando aço. A Votorantim, junto com a Bortoline, Porto Digital e Trampolim Academy, foi outro dos players que viabilizaram fortemente a realização dessa maratona. A bandeira que levantamos e defendemos no HACK.HABITE é a construção de espaços de trabalho pautados na empatia. O resultado não podia ser outro: em um final de semana criamos projetos completamente alinhados às necessidades das nossas usuárias, conectados com a realidade do local inserido e impactamos diretamente a vida de mais de 70 pessoas somente nessa primeira parte do processo. Agora estamos na etapa de detalhamento e execução dos projetos.

Venho de uma geração que desconstrói e reconstrói tudo o tempo todo. O pensamento linear da era industrial já não nos serve mais, somos multidisciplinares e conectados com o mundo em tempo real. Eu não me vejo trabalhando em escritórios tradicionais de arquitetura — uma mudança de era pede uma nova ordem das coisas. Faço parte da Era Pós-Digital, meu trabalho precisa refletir as inquietações que essa transformação me entrega. Empreender, por mais árduo que seja, me parece o caminho mais fácil para dar forma ao que eu acredito. O tempo todo sou convidada a pedir pra sair quando me vejo diante de dificuldades e problemas, mas já depositei muitos grãos de amor e paciência na Habite, e isso me torna mais resiliente e resistente. Em paralelo, meu time começa a ganhar forma e me mostra que para empreender melhor é importante trabalhar em conjunto. Ter pessoas que giram comigo em torno de um propósito comum impulsiona esse movimento.

Revisitar estratégias, colocar a mão na massa, alinhar expectativas, conectar com o mercado, encontrar gargalos, engajar pessoas, motivar um time, transformar vidas e ainda ter que encontrar uma forma de ser sustentável no meio de tudo isso é uma jornada árdua que requer bons mentores, muito café, disciplina e solitude para repensar de que forma isso me torna uma pessoa melhor para mim, para o outro e para o mundo. Eu sou uma arquiteta inquieta, é no espaço que deixo o rastro da minha inquietude gasta. Quando a gente toma consciência de que o mundo da forma que está não tem razão de ser, a gente se perde do caminho de volta. E é por isso que eu vou adiante e sou inquietude até o fim.


Ana Pedrosa é fundadora e CEO da Habite Social, empresa de combate à hostilidade espacial em habitações de comunidades do Recife através do empoderamento empreendedor de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Graduanda de Arquitetura e Urbanismo pela UFPE, onde desenvolve um estudo voltado para novos eixos de atuação profissional para o mercado da construção civil e como essas novas atuações contribuem para o desenvolvimento de cidades mais colaborativas, compartilhadas, alternativas e conectadas.


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