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2019-12-09T00:00:00

Negócios


Startup e corporação: quem disse que não se misturam?

Por Victor Hugo Soares e Ed Dantas

“Até companhias que estão definindo a direção da ruptura do seu negócio têm estabelecido relacionamentos e parcerias com os nascentes, por que empresas em direção à transformação digital também não? Ser uma corporação, na prática, é ter muito a oferecer para as startups.”

Apertem seus cintos! Vamos embarcar em duas analogias para começarmos nossa breve provocação.

Os frames

1º cenário: imagine aquelas rodas de exercício para camundongos, hamsters e ratinhos. Todo o esforço que o hamster faz é direcionado para dentro dela. Ele mantém o corpo firme, mas a previsibilidade do movimento faz com que o esforço mental do ratinho realize o papel com tanta repetição que provavelmente ele já nem pense no esforço empreendido para a ação.

2º cenário: uma pequena formiga decidida a carregar uma enorme pedra quase do seu tamanho, morro acima, pelo intenso exercício de força bruta. A física naturalmente não lhe ajuda, embora ela já tenha nascido pronta para suportar até 10 vezes o próprio peso. Por vezes, há pedregulhos e situações inesperadas que podem prejudicar ou favorecer a subida, que conta com o esforço, a dedicação e criatividade do executor para alcançar tremendo feito. Ainda assim, nada tira o esforço hercúleo e o nível de aleatoriedade que o morro proporcionará à formiga para realização de tal atividade.

O contexto

O avanço de eras permitiu que saíssemos de uma sociedade essencialmente agrícola e decolássemos rumo ao progresso com a revolução industrial. O modelo construído e consolidado nos trouxe a capacidade de lidar com a estabilidade de produção, a capacidade de entregar produtos em escala, a criação de grandes centros urbanos, a maior velocidade de deslocamento entre os países etc.

Essa relação com indústrias, fábricas, ocupação e uso foi referência para o modelo mental de diversas criações que trouxeram enormes benefícios para a humanidade. Vimos surgir, por exemplo, o conceito de escola fundamental e ensino infantil, como hoje o conhecemos, com hora de chegada, hora de saída, conhecimentos separados por departamentos, um alarme para aviso da troca de turnos etc. A lógica industrial urbanizou e ergueu cidades no entorno de fábricas.

A criação de atividades segmentadas e departamentalizadas ajudou a trazer crescimento com uma menor curva de aprendizado para que tivéssemos um avanço de produtividade jamais visto na humanidade. A lógica industrial consolidou, então, um modelo de pensamento linear, previsível, repetitivo e segmentado.

Entretanto, mais uma mudança de era aconteceu. Passamos a viver em um mundo não linear, multidisciplinar, conectado e imprevisível. O que foi linear passou a ser de customização e com autocuradoria. Se no passado guardávamos nossos sonhos de futuro com caixinhas profissionais, hoje moldamos nossos aprendizados de maneira totalmente cruzada. Economistas fazendo design, cientistas sociais estudando user experience, entre tantos outros casos.

E quando foi a última vez que você passou mais de 24 horas a mais de 5 metros de distância do seu celular, tablet ou computador? Por último, mas não menos importante, sobre o contexto do cenário atual, o que falar de jogos que atingem 50 milhões de usuários em um mês, ou de crowdfundings que atingem metas milionárias e bancam projetos em uma velocidade exponencial? Ações de crescimento desse nível não operam no vácuo, mas são as que mais nos assustam, porque, quando vimos, elas já passaram.

“Em apenas três momentos da história da nossa espécie (Revolução Agrícola, Industrial, Digital) tivemos que enfrentar transformações tão radicais. Em apenas três oportunidades na nossa história fomos educados para operar num sistema, mas tivemos que aprender, por conta própria, a operar em outro. O hardware da sociedade que vivemos é totalmente industrial, enquanto o software que já está rodando em muitos de nós já é digital. E sabe o que acontece quando você roda um software atualizado num computador antigo? Dá pau”, diz Tiago Mattos no livro Vai lá e faz: Como empreender na era digital e tirar ideias do papel [1].

E então chegamos ao hamster e ao carregador de pedras! Eles são o pleno reflexo do contexto em que os modelos de negócio foram pensados na lógica industrial e na lógica digital. De um lado, gente girando a roda com pouca adaptabilidade à mudança, e do outro um esforço hercúleo de quem tem tentado construir uma startup, geralmente com poucos recursos, lidando com velocidade máxima da zona do aprendizado por um período muito intenso e fazendo o gerenciamento, em geral, de muito com pouco.

Atores

Logo, ao olhar para esses dois polos, o caminho natural é que um olhe para o outro com estranhamento.

De um lado, quem é tradicional olhando para a startup e pensando: “Essas empresas não têm tamanho para fazer do jeito que eu faço, eles não são organizados e possuem diversas instabilidades”. Do outro lado, gente pensando: “Não sabem fazer como eu faço; agem de maneira antiquada e são pouco flexíveis”. O clima de estranhamento é geral.

A pergunta que fica é: como essas duas entidades se misturam?

Tome nota:

De um lado, grandes negócios considerando como fazer para adquirir, reter e lançar os tipos de talentos e pessoas necessários para desenvolver ações que podem penetrar em novos mercados existentes ou dominá-los completamente.

No complemento do cenário, tecnologias com preços cada vez mais baixos, ferramentas e comunicação cada vez mais democratizadas, o que cria um ambiente tremendamente favorável para que novas companhias, movidas por gente talentosa, possam correr intensamente e capturar uma fatia considerável de mercado ainda maior — com uma velocidade ainda não imaginada.

Por que não estão fazendo?

Na verdade, a transformação digital não passa necessariamente por relacionamento com startups. Existem vários eixos que vão além disso. Entretanto, estabelecer relacionamento com startups em diversos pontos é extremamente benéfico para a corporação, desde a questão de observar e absorver os pontos positivos da cultura de trabalho até o modo enxuto de olhar os processos e a realização prática, o que termina, por consequência, reverberando em todos os outros eixos.

Em geral, não é que não exista interesse da corporação em inovar. O que há, frequentemente, é a falta de sensibilização consistente para viabilizar essa direção de trabalho, vencendo algum fator interno que venha travando este passo, seja por ceticismo, medo de comprometer a credibilidade da empresa ou uma sensação de estar distante demais da sua área fim, meio ou estratégica.

Como fazer

Até companhias que estão definindo a direção da ruptura do seu negócio têm estabelecido relacionamentos e parcerias com os nascentes, por que empresas em direção à transformação digital também não? Ser uma corporação, na prática, é ter muito a oferecer para as startups.

Em primeiro lugar, podemos citar os canais. Startups são excepcionais em identificar problemas e desenvolver tecnologias que conversam como meio para solução em mercados. Entretanto, elas geralmente não possuem os canais para escalar o negócio. Adicionado a isso, companhias geralmente têm uma melhor perspectiva do mercado em mãos.

Em segundo lugar, poderíamos citar que, logo que cooperações surjam, o acesso ao conhecimento de experts no mercado, a rede de distribuição de canais, o entendimento das dinâmicas de preço no mercado e os dados, mesmo que ainda não estruturados e usados para Business Intelligence, são um baita de um benefício que pode ser oferecido às startups. Isso ainda pode trazer acesso a projetos interessantes resolvendo problemas difíceis que, sozinha, talvez a corporação não conseguisse.

Ainda do lado das corporações, o terceiro ponto: é imperativo trazer novas soluções para os clientes de maneira rápida e eficiente. E é uma ótima alternativa, principalmente no que se refere aos custos de correalizar esses trabalhos com startups ao invés da corporação realizá-los por inteiro em voo solo.

Enquanto os relacionamentos estruturados continuam sendo uma parte fundamental do modelo tradicional, os mashups, fruto dessa parceria que pode ser concluída mais rapidamente, com menos recursos e menos riscos, estão ganhando destaque. Essa relação também está indo além dos limites das unidades de desenvolvimento e inovação corporativa.

Em um artigo recente sobre relacionamento entre startups e corporações, Vítor Andrade, head da iDEXO, diz: “(…) a relação de parceria startup-grande empresas gera, portanto, um resultado ganha-ganha-ganha para a startup, o player já estabelecido e seus clientes.”

Algumas lições aprendidas

Parcerias exigem foco, disciplina e comprometimento dos dois lados para serem bem-sucedidas. No entanto, a assimetria entre o relacionamento de startups com corporações significa que a startup possui um custo maior quanto a risco, timing, foco e custo de oportunidade envolvido.

Enquanto pequena companhia, as parcerias são umas das coisas mais importantes que você realiza — e levam muito tempo. Se essa parceria falha, você terá despendido meses. Mas esse tempo é sentido, por vezes, de maneira totalmente diferente dentro da companhia.

Outro erro comum é o time fundador das startups, no processo de construir parcerias e relacionamentos com a corporação, ir direto ao CEO. A melhor forma de relacionamento com o CEO é tê-lo como um canal que vai ajudar a encontrar a pessoa certa na organização para cultivar o relacionamento mais de perto.

Ultimamente, sucesso depende de criar cenários de ganha-ganha e de igual comprometimento dos dois lados. Com bastante frequência, pela insegurança e por ainda estarem dando os primeiros passos em ações não estruturadas de relacionamento com startups, corporações terminam construindo parcerias com um cenário ganha-não ganha.

5 pontos finais e objetivos para se ter em conta quando estiver pensando na estratégia para integrar startups e corporação:

1. Corporações estão sob pressão para gerar suas próprias rupturas de mercado e poderem oferecer isso aos seus clientes e consumidores, ao invés de serem colocados para trás. Startups podem ser uma oportunidade de acelerar a experimentação de novos mercados.

2. Enquanto as estruturas dos modelos tradicionais de parceira exigem um modus operandi já consolidado e denso, relacionamentos com startups devem focar em ser facilitadores, desbravadores e ágeis, cortando qualquer aventura de fazer processos com meses de negociação.

3. É preciso que esteja claro o que há de ganho mútuo, que exista disciplina, foco e comprometimento para que qualquer parceria seja bem-sucedida.

4. Para reduzir o risco de distração e tempo perdido, startups deveriam demandar definições claras de progresso e os próximos passos com os parceiros corporativos, e isso ser adotado como prática de mercado.

5. Com startups entregando cada vez mais agilidade e formas mais baratas de engajamento, há uma absorção interna de cultura de tolerância à experimentação e falha, pontos imprescindíveis para realização bem-sucedida da inovação.

Corporação e startups não só se misturam quanto podem crescer e aprender muito uma com a outra! Para isso, é preciso que exista comprometimento entre as partes, engajamento em um plano de ação concreto dos dois lados e muita disponibilidade para se aprender e se adaptar a todas as mudanças causadas nessa colisão de universos.

[1] Mattos, Tiago. “Vai lá e faz: Como empreender na era digital e tirar ideias do papel.” Caxias do Sul: Belas Letras, 2017.

Victor Hugo é COO da Databizz, startup que trabalha com inovação orientada a dados. Em ação de codesenvolvimento, hoje para o CESAR e SEBRAE, está responsável pelo PIGS, Plataforma Integrada de Geração de Startups. Também já teve passagens por Samsung e trabalhou em projetos para o Porto Digital. É professor de Inovação e Empreendedorismo na escola Técnica do Porto Digital e nas horas vagas host do Podcast Vitices.

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